quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Chorar



Queria chorar.
Sozinho em sua casa, decidiu não pensar em coisas ruins, nem no passado, nem no quanto desejava não ter feito as escolhas erradas. Desejou que tudo aquilo fosse um pesadelo. Mas não era.
Queria chorar.
Queria que um tsunami de lágrimas o enchesse, tirasse tudo do lugar. No momento, achava que só um desastre para o salvar de outros e, talvez, fosse verdade. Mas não conseguia chorar. Talvez sua cota de lágrimas por uma vida já tivesse sido atingida. Só ele sabia o quanto era doloroso passar os dias no trabalho só pensando em como será quando chegar em casa, ver TV, sentar no canto da cama e fingir que a vida é boa. Talvez para muitos seja, mas não para ele.
Tinha 22 anos de más experiências. Desistiu da escola, pois o deixava infeliz. Vivia dizendo a si mesmo que podia ser feliz, pois ninguém mais o fazia. Gostava de música clássica, pois não precisava de letras para demonstrar sentimentos. Fazia o que queria, mas não era o suficiente.
Com 12, já tinha visto o inferno. Pais se matando dentro de seu lar e, por muitas vezes, seu lugar era como um pombo-correio entre os dois. Uma separação difícil o fez começar a pensar no porquê das coisas serem como são. Pior coisa que poderia ter acontecido.
Aos 16, vivera suas primeiras crises amorosas e de identidade. Lutou sozinho e calado contra isso. Perdeu.
Aos 18, decidiu largar a escola e procurar um emprego para ajudar em casa, para tentar ser útil. Com uma mãe solteira, a vida não tendia a ser fácil e o stress era presente. Depois de brigas bobas, possuída pela raiva, sua mãe o julgou como um inútil. Disse coisas que jamais esqueceu. Lembrava ainda das últimas palavras: “você não tem amigos porque é insuportável.” Talvez realmente fosse.
Saíra de casa assim que teve a primeira oportunidade. Foi viver de aluguel.
Arrumou um apartamento barato na capital e ali viveu jogado seus próximos anos, com um emprego medíocre e com um salário que mal podia pagar as contas. Passava fome e dificuldades e não tinha com quem contar.
Queria chorar.
Parado em frente à uma antiga máquina de escrever que devia pertencer ao antigo dono de seu novo lar, começou a escrever. Escreveu para a mãe, pedindo perdão por não ser quem ela desejava que ele fosse. Escreveu para o pai, desejando ter tido mais paciência e mais conversas. Escreveu para a mulher que amou, dizendo que sabia que era difícil se ter uma pessoa infeliz do lado e que entendia ela deixar de amá-lo. Escreveu para os amigos que nunca teve, pedindo para que, se existissem, aparecessem logo. E escreveu para si mesmo, escrevendo:
“Sei que somos todos desesperados em busca da felicidade. Mas ela não é garantida, como dizem ser.
Eu entendo quem não entende. Quem passa do seu lado na rua e nem te vê, quem te vê, mas não lhe enxerga...
Você olha para as coisas que um dia já amou e não consegue achar significados para elas, nem diversão, muito menos amor. Às vezes não se consegue comer, dormir... Às vezes não se consegue nem viver.
Você gostaria de ser melhor. De sair e conhecer pessoas. Mas seu corpo não deixa. Algo dentro de você te impede de sequer se mover.
Você não sabe como melhorar. Só se sente infeliz, e só. Preso numa realidade que foi montada por pessoas más e felizes demais para se importar com você.
Lá fora parece claro demais para seus padrões de clareza. Escuro demais para seus padrões de escuridão. Feio demais para seus padrões de beleza. E você não consegue mudar, pois é tudo que consegue ver.
Você poderia ter tudo no mundo e, mesmo assim, se sentir que não tem nada.
Então, pra você eu digo:

Não faço milagres. Não posso fazer as palavras que o atormentam ir embora, ou que as coisas fiquem mais fáceis. Não consigo lhe fazer amar a si mesmo, ou achar a felicidade que, pra você, é praticamente inexistente.
Sei que, às vezes, o mundo lá fora fica frio demais, ou barulhento demais. Mas hey, eu tenho um apartamento legal até. Podemos nos esconder aqui. Eu vou ser o único que vai ficar aqui, com você, até estar pronto. Podemos conversar ou eu posso simplesmente ficar aqui, em silêncio. Podemos ver TV juntos, ou distantes um do outro. O que quer que precise, estarei aqui. Contanto que saiba que, quando sairmos daqui, estaremos prontos para enfrentar o mundo lá fora. Juntos.
Só lhe peço uma coisa: antes de fazer qualquer coisa, me avise.”

Enquanto escrevia, desejou que fosse real. Desejou que outro alguém tivesse entendido mais cedo, e visto que ele precisava apenas disso: palavras sinceras. Mas não era. Era apenas loucura.
E então, chorou.

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